sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

o que era doce

Há um rombo nesta casa.
O silêncio pesa mais sobre a minha cabeça. Por mais que a Margot não latisse nem chorasse, a impressão que dava era que ela sempre estava cantarolando. E, claro, havia o (único) som característico das unhas compridas no carpete de madeira na sala. O sapateado. E a respiração ofegante, que ela fazia de propósito. Nenhum som a mais.
Há um rombo, eu posso sentir. Dentro de mim e fora. Um buraco negro. Que não leva a lugar algum. Esse vazio que é ter consciência da existência. E da finitude da existência. E outros vazios. Ela, ela não se preocupava com essas bobagens. Ela preenchia o vazio, todo e qualquer vazio que pudesse existir, sem formular um só pensamento. Quando eu abraçava minha mãe ela se enfiava no meio dos nossos pés. Quando eu namorava ela se enfiava no meio dos nossos corpos. Quando eu chorava sozinha ela se enfiava no meio das minhas pernas. Vinha até mim e preenchia meu colo vazio. Se doava completamente. Sem pensar. Fazia tudo o que podia. E quando não havia mais solução, como sempre acontece, observava a vida. Uma voyeuse. Observava, observava, sem descanso. Parecia que estava tentando nos entender. Estudando todos os nossos passos. Nos perscrutando. Até incomodava, aquele olhar meio triste inundando a gente. Pára, Margot! A gente dizia. E ela abanava o rabo e não parava. A gente ia para outro cômodo, ela ia atrás e olhava: Estou aqui, viu? Olha, eu estou aqui. Estou aqui, estou aqui, estou aqui, com você. Um cão de companhia. Se a gente não queria ela vinha mesmo assim, e então a gente é que fazia companhia pra ela. Ela sabia, a danada sabia que às vezes fazer companhia pra alguém é muito mais reconfortante do que receber a companhia de alguém. Ela sabia, e então ensinava a gente a fazer companhia. Ficava junto. Encostava. Roçava. Cheia de doçura. Cheia de cartas na manga. Cheia de graça. Cheia de pêlos, pêlos, pêlos, por todo o corpo, por todos os lados, por todo o carpete, entupindo o aspirador, me fazendo espirrar. Enchendo a casa com a sua presença. Com seu cheiro de bicho. Ela, tão pequenininha. Ela, semi-cachorro. Um cão por convenção. Um blend de gato, leão, urso, ornitorrinco, guaxinim, macaco, coelho, cachorro só ao coçar as pulgas. Ela, que também era gente. Aliás, bem melhor que gente. Bem melhor que bicho. O supra-sumo da existência. O que há de mais avançado em matéria de alma.
Morreu hoje de insuficiência renal crônica, com um pouco mais de dois anos e meio. Uma jovem com doença de velho. Acabou antes do que a gente pensava. Como tudo que é bom.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Meu caro Herbert,


Como vai sua pesquisa? Estou planejando ir a Paris para lhes visitar, mas a vida aqui continua atribulada. Desde maio estamos com um novo cachorro em casa, um filhote de lébrel. Agora temos um total de sete cães de diferentes portes e temperamentos. Outro dia eles tomaram o nosso quarto e o pobre Arthur teve de dormir no closet por conta de sua rinite alérgica. As crianças estão na casa dos avós, como sempre.
Gostaria muito de sentar com você numa mesa de boulangerie e tomar um café expresso com creme como antigamente, mas a distância nos impede. Resta essa comunicação falha e demasiado pobre em estímulos sensoriais! De todo modo, não posso adiar um assunto que desde que surgiu anda desviando minha atenção e mudando totalmente o objetivo do meu pós-doc, pela sua fantástica peculiaridade e também pela minha proximidade com o caso.
Sem mais demora, explico: recentemente me deparei com um caso psicanalítico bem incomum, ao qual eu e meu colega Piero demos o nome de transtorno de superávit de atenção (TSA, se preferir), cujo principal sintoma é o extravasamento ou transbordamento conceitual. Identifiquei-o pela primeira vez em meu cunhado Carlitos.
Carlitos era, antes de mais nada, um homem comum. Tem uma filha, uma mulher, um peixe, ia todo dia de carro à empresa em que trabalha e à noite assistia ao noticiário e lia um pouco até dormir. Aos fins de semana jogava futebol na praia ou na praça. Não tem muitas inquietações intelectuais ou sentimentais, e suas peculiaridades comportamentais (como o gosto por confeitar bolos ou engolir deliberadamente um pouco de pasta ao escovar os dentes) não chegavam a despertar grandes estranhamentos. Carlitos tem apenas uma característica excepcional, que, se antes era motivo de orgulho para ele e toda a família, hoje se tornou um fardo a carregar: ele possui uma hiper-capacidade de concentração.
Essa característica abriu seu caminho em inúmeros sentidos. Nunca teve problemas para escrever seus textos técnicos; nunca precisou ver um filme mais de uma vez para compreendê-lo completamente; não chegava a terminar alguns livros de autores menores pois conseguia ler, nas entrelinhas das primeiras duas páginas, tudo o que aconteceria até o fim. Se tivesse algum talento para desenho poderia ter ficado milionário fazendo falsificações de grandes obras. Enfim, os benefícios são muitos, e não cabe enumerá-los aqui. O fato é que, como todos sabemos, a concentração se conquista através de seu exercício. Em outras palavras: uma grande capacidade de concentração gera uma capacidade de concentração ainda maior. E como o pecado é o que sobra, Carlitos acabou se perdendo no simples usufruto do que tinha de mais valioso, e pela própria particularidade de seu talento.
Você há de concordar comigo que o caminho do desenvolvimento pessoal não tem fim, mas as etapas que preenchem tal desenvolvimento, sim. E são estas etapas que pontuam este caminho, fazendo com que tenhamos mais ou menos um parâmetro de evolução dentro das nossas vidas, do nascimento até a morte. Tomemos um exemplo próximo: a vida acadêmica. Ela é basicamente composta por mestrado, doutorado e pós-doutorado, que são três degraus importantes. Em cada degrau você pode se ocupar com livros, ensaios, projetos, todos eles com começo, meio e fim. Em suma, a vida acadêmica, ao contrário do que costumamos pensar, não difere de nenhuma outra vida. É, como todas as outras, um desenvolvimento infinito sem objetivo nenhum, permeado por etapas com objetivos específicos. Assim como a infância, a maturidade e a velhice. Eu, aos meus cinquenta e um anos, me sinto no fim da maturidade, prestes a entrar no começo da velhice (você deve estar agora com aquele sorriso piedoso que eu conheço bem, meu caro Herbert. Não se preocupe comigo. Estou ficando velha mas sou feliz, ainda tenho muitos livros para ler e um par de pernas bem conservadas).
Creio que a vida seria mais difícil sem o fracionamento do continuum da vida. Estamos já acostumados à tensão pré-começo, ao meio cheio de altos e baixos, à tensão pré-fim e ao sentimento de vazio após o fim, que geralmente antecede outra tensão pré-começo de outra tarefa. Já refleti muito sobre isso, e cheguei à conclusão, primeiro desconfortável e depois conformada, de que esse afinal é o sentido da vida. Ou pelo menos esse é o sentido que damos à vida. Dentro dessa dinâmica projetamos nossos anseios, transferimos nossas insatisfações advindas de tarefas não cumpridas para outras tarefas a cumprir, damos vazão a sentimentos como a inveja e a ambição e temos de lidar com eles, e assim a velhice e a morte chegam rapidamente, uma após a outra, até culparmos o médico ou Deus de que não há mais nada a fazer.
Perdoe o desvio do assunto; o fato é que o caso de Carlitos despertou em mim questões há muito adormecidas. Em breve você verá que toda essa minha observação faz sentido. Pois bem; o problema de Carlitos passou a ser justamente o começo, o meio e o fim das coisas. As primeiras manifestações de seu distúrbio foram estranhas, mas ainda discretas. Carlitos não tinha muita consciência do que estava acontecendo, pois sua concentração lhe tira um pouco a capacidade de relativizar os fatos. O que lhe chamou a atenção foi que nem todas as suas tarefas diárias estavam sendo cumpridas pois gastava tempo demais em algumas delas, concentradíssimo em realizá-las da melhor maneira possível. E a melhor maneira possível ultrapassava os limites do bom-senso (para o alcance do bom-senso é necessária uma boa dose de preguiça, bem disse aquele filósofo neo-cartesiano, como se chama? Enfim, não me lembro). Isso ficou bem claro quando Carlitos gastou todo o esmalte dos dentes por conta de sua escovação minuciosa, ou quando fez sexo com sua mulher até que ela desmaiasse de tantos orgasmos, ou então quando um dia, ao levar a filha para passear de bicicleta, foi encontrado num hospital de uma cidade a cem quilômetros de distância, completamente estafado. Mas o mais grave mesmo foi no que o seu pitoresco hobby de confeitar bolos se tornou.
A primeira evidência foi um bolo cujo confeito em glacê fora feito com tanto esmero e dedicação que ninguém mais tinha coragem de parti-lo. Você deve estar pensando que isto não é de se estranhar em um bolo confeitado- sim, você tem razão-, mas, mesmo que tentassem, a grossa espessura das camadas e camadas de glacê impedia uma fatia decente que se sustentasse ou mesmo que coubesse num prato. Logo ocorreu o inevitável: o bolo de Carlitos não era mais um bolo, era uma obra de arte. Um amigo da família curador de um museu encomendou um floresta-negra para uma exposição. O bolo fez grande sucesso e, por mais que Carlitos fosse avesso ao ambiente artístico e não comparecesse a festas e exposições, logo se tornou uma referência no meio das artes plásticas. Conquistou defensores e inimigos ferrenhos, diluidores e imitadores da tendência que havia lançado sem querer. Um primo chegou a ver camisetas com fotos não autorizadas do bolo sendo vendidas num camelô à frente de um cinema com programação alternativa. Réplicas do seu bolo começaram a ser vendidas nas lojinhas dos principais museus das cidades. Um certo desespero tomou a alma de Carlitos, e, para tentar entender o que estava acontecendo consigo próprio, começou a fazer bolos todos os dias. As consequências foram drásticas, como você pode imaginar. Primeiro de tudo, a confecção dos bolos começou a demorar mais de 15 horas. Nosso pobre confeiteiro não pôde ir mais ao trabalho, não dormia mais e desenvolveu varizes nas pernas pelo longo tempo em pé e pelo aumento de peso provocado pela sua alimentação com pouca variedade de nutrientes. Os críticos entravam em delírio, os artistas morriam de inveja, os acadêmicos ativavam seus cérebros ávidos por monografias e ensaios teóricos, as revistas especializadas exibiam aliviadas em suas capas o rosto do herói que há tanto tempo procuravam.
E quanto aos bolos em si, bem... há muito deixaram de ser o que deveriam. O conceito havia extravasado. De prato secundário, fetiche entorpecedor de crianças e ansiosos, mero exagero alimentício, o bolo passou a ser alimento para os olhos. Ao entrar nas galerias e ganhar como troféu o fardo da arte conceitual, tornou-se alimento para o intelecto. E, por fim, de coisa inútil por excelência, como o são os bolos confeitados e as obras de arte, transbordou para a esfera da necessidade, tornando-se coisa fundamental. Digo isto porque os bolos de Carlitos começaram a virar casas.
A partir deste ponto a história fica obscura e difícil de relatar, porque seus procedimentos se tornaram mais misteriosos. Começou com uma simples planta baixa, um quarto-sala. Depois passou para os sobrados, tarefa arquitetônica mais difícil, mas que realizou em aproximadamente dois dias e meio. Daí foi para os edifícios, e em seguida para um condomínio e um conjunto habitacional para a classe baixa. Ninguém sabia o que viria depois. Alguns diziam que Carlitos construiria uma cidade inteira; outros, que desistiria da arquitetura e passaria para a engenharia espacial. A família, obviamente, não revelava seus planos e segredos. Mas eu suspeito que Carlitos não tinha plano nenhum. Ele estava muito concentrado para pensar no futuro.
Numa quarta-feira à noite o nosso telefone tocou. Era ele. Desesperado. Com uma força de vontade descomunal aproveitou a distração provocada pela vontade de ir ao banheiro e bravamente pegou o telefone, discou o nosso número e pediu socorro a mim e ao irmão. Disse que o resto da família parecia não querer ajudá-lo, ignorava a gravidade da situação e tratava o distúrbio como uma bênção, a solução definitiva para as finanças, a arte contemporânea e a habitação popular. Eu e Arthur pegamos o carro, fomos até a casa de Carlitos e o raptamos. Trouxemo-lo para casa, onde ele não poderia encontrar nenhum ingrediente para a sua culinária já que só comemos comida congelada. Desde então o submetemos diariamente a sessões intensivas do que chamamos de desconcentração passiva, que consiste em obrigá-lo a ler Ulisses com a televisão ligada ao mesmo tempo em que fazemos cócegas em seus pés. Carlitos está mais tranquilo, emagreceu e, apesar das ameaças raivosas de sua mulher e da saudade de sua filha, não pretende voltar para casa por enquanto.
Mas eu é que não estou tranquila, meu caro Herbert. Algo me diz que eu e Arthur só estamos piorando a situação. Que a concentração potencializada de Carlitos está e estará sempre em expansão, se alimentando mais e mais de todos os estímulos à sua volta. Eu sei, pelo jeito que ele me olha. E devo dizer: ele anda me olhando demais. Não o suficiente para o desligado do Arthur perceber, mas bem mais do que ele me olharia se fosse um homem normal. Gasta boa parte do seu tempo me perscrutando minuciosamente. E não há nada mais desestruturador, meu caro amigo, do que alguém te olhando deste jeito. Porque eu sei que ele me entende, só de olhar para mim. Me entende de um jeito que nenhum homem entende uma mulher. De um jeito que nem eu me entendo. De um jeito que ninguém poderia, nunca, entender nada nem ninguém. Só de ler meu corpo, decifrar as entonações da minha voz e observar minhas atitudes e escolhas ao longo do dia ele já sabe tudo, absolutamente tudo sobre mim. Sabe o que vou dizer, os movimentos que vou fazer, adivinha o que eu sonho à noite, sabe o que eu penso do Arthur, o que eu penso de mim, o que eu penso dele, sabe o que eu estou escrevendo nesta carta neste momento. A essa altura ele só não faz de mim o que quiser pois provavelmente ainda está se preparando, dilatando sua capacidade de concentração, dissecando meu espírito até ter plenos poderes sobre a minha existência. E então, meu caro Herbert, não sei o que vai ser dela. Não consigo nem imaginar o que Carlitos pode fazer comigo.
Termino esta carta aqui. Preciso de você, Herbert, preciso que você cure meu cunhado, porque não me sinto mais capaz, não me sinto nem ao menos dona de mim. Ele me tem em suas mãos. É tudo que eu sei.
Um beijo,
Yvonne





* comecei a escrever este conto no dia 16 de julho de 2005. Larguei-o nas profundezas do disco rígido e só fui resgatá-lo agora, revisando-o e dando a ele um fim.
(Às vezes funciona deixar a tarefa para o Calvin das sete horas...)

** revisei sim, e daí? impossível não usar a brilhante idéia da Anna para o nome da doença do Carlitos. (jan. 2008)

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

soumrak



Sabe, parece de propósito. Essa luz de novo. Essa não-luz que deixa tudo horrendo, que transforma monstruosamente os objetos. Ontem também foi assim. Já é duro o tempo que há entre uma hora e outra. Já é duro arrastar os minutos, empurrar os ponteiros. E como se não bastasse, no lugar do costumeiro pôr-do-sol a gente tem como recompensa esse fim de dia que não é mais dia, esse fim de dia que não tem mais fim, que não deixa a noite chegar, que nos enclausura nesta tarde até o último minuto, até o último respiro dessa espessa tarde de sábado. Impedindo que a escuridão transborde de vez e tome o seu lugar, que as lâmpadas da cidade se acendam alegres porque chegou a sua vez de iluminar as ruas, cada uma com seu mundo particular, produzindo suas próprias sombras. Os abajures, os postes de luz, os coloridos e animados faróis dos carros, os coloridos e animados sinais de trânsito, os extravagantes neons, todos embebidos no breu, tudo é tão feliz à noite. Nela há sempre a perspectiva do fim. A morte em comprimidos diários. O silêncio das cores. O cheiro de janta, o cheiro de jasmim, os carros em seu calmo retorno à casa. A satisfação de colocar um ponto final no dia, ou então a possibilidade das reticências. Porque você pode sempre não dormir. Porque sempre há alguém para sorver a noite com você: um amigo, uma mulher, um desconhecido que seja. Mas não, nesses dias como hoje a noite nunca chega. Há apenas esse lençol cor de chumbo cobrindo tudo, tingindo minha casa, tingindo a rua molhada pela última chuva, engolindo o espaço de tempo entre um cigarro e outro, pesando a cabeça, sobrecarregando as retinas, contraindo as sobrancelhas, afundando as olheiras. Esse maldito fim de tarde infinito. Não. Não podia mais me afundar no sofá, não podia começar meu segundo maço antes que a noite viesse. Se eu abrisse este mesmo pacote de cigarros, se eu ligasse a televisão, tirasse um cochilo, fritasse alguns ovos, ou se eu fraquejasse e desse aquele telefonema, pegasse o telefone e digitasse os números óbvios e repetitivos que os meus dedos estão condenados a perseguir, esperasse que ela dissesse alô e então pedisse desculpas, por algum motivo eu sei que ela nunca viria. A noite, digo. A noite com suas putas, seus leites com chocolate, seus travesseiros. Então me levantei rapidamente, coloquei o maço no bolso da camisa, três aspirinas na boca e saí para a rua. Precisava de alguém. E lá no bar do Ademar sempre tem alguém. No mínimo, o Ademar. E com o Ademar sempre tem assunto, porque na sua família sempre tem alguém doente. E tudo o que eu precisava era de um paciente. Alguém que eu pudesse tranquilizar e entupir de remédios. Me vê uma cerveja, por favor. Como anda o Corinthians, seu Ademar? Mal, hein? E o sobrinho, seu Ademar, curou da catapora? Fez o tratamento que eu te passei, com aciclovir? Zovirax. E permanganato, claro. Tem que fazer, seu Ademar. Mas é melhor quando pega assim criança, acredite. Ou talvez não perguntar nem dizer nada, apenas ouvir alguma conversa da mesa alheia. Alguma coisa interessante. Um segredo, uma piada. Ou qualquer outra coisa. Talvez uma conversa entre homens, sobre mulheres. Talvez uma conversa entre mulheres, sobre homens. Talvez houvesse alguma mulher acompanhada. Ou uma mulher sozinha. Praticamente improvável, mas nunca se sabe. E talvez essa mulher sozinha nem fosse tão feia assim. Praticamente improvável, mas nunca se sabe. Talvez tivesse dentes bonitos, ou braços bonitos. Talvez fosse gostosa. E uma mulher é sempre uma mulher. Bem, nunca se sabe. Outro dia mesmo veio um traveco no consultório. Com amidalite. Só soube que era um homem porque minha secretária viu o nome de nascença na carteirinha do plano médico. Roger. É Roger, mas me chame de Pauline, viu? Ainda por cima era uma mulher bonita, bem cuidada. Pauline, o traveco. Com amidalite. Não teve jeito, tive que operar. Mas muito provavelmente a mulher do bar do Ademar fosse mesmo uma mulher, e talvez ela trocasse olhares comigo, talvez ela sorrisse para mim. E o melhor mesmo, a vitória máxima, seria se ela me desejasse boa-noite. E me desse sem saber a boa notícia: ela chegou. Ela, que você tanto esperava, aqui está. Vamos acender as luzes, meu querido. Acenda todas as luzes da casa. Pode descansar, querido. Descanse seus olhos nos meus. Descanse sua cabeça nos meus seios. Que bom que você me esperou. Que bom que você não desistiu de mim. Agora, descanse. Eu sou sua. Eu estou aqui. Mas que bobagem. Não existem mulheres sozinhas num fim de tarde de sábado. E a noite ainda não havia chegado. Não havia chegado, mas parece que agora ela está vindo. De encontro a mim. Foi você. Você, e esse seu carro. Cinza-chumbo. De encontro a mim, assim que pisei na rua. As lesões são bem graves. Não há mais como reverter esse sangramento que não pára, nem se a ambulância chegar agora. Pelo menos não estou sentindo dor. Mas estou com muita sede.

Sabe, parece de propósito. A cor do seu carro, e o fim do dia, e tudo o mais.

E eis que ela vem. Aqui está. Ela, a noite. Eu sabia que ela viria, cedo ou tarde. Pegue meus cigarros no meu bolso, dê aqui pra mim. Não, é claro que eu não vou fumar. Eu só quero abrir o pacote.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

cama elástica



Hoje eu fui assediada como nunca fui na vida. Assediada no sentido mais banal do termo; invadida fisicamente, contra minha própria vontade, de maneira direta, eficaz, implacável. Mas esse fato por si só não é nada surpreendente. Mulheres não tão feias estão sempre fugindo da possibilidade do assédio, ou melhor, da fatalidade do assédio, como se toda mulher tivesse que passar por isso em algum momento da vida, pelo simples fato de ser mulher. Mas o que houve de verdadeiramente surpreendente é que quem me assediou foi uma menina de 5 anos.
Era aniversário de um dos filhos do segundo casamento do meu pai. Eu, meia-irmã com 18 anos de diferença, não sabia muito bem se meu lugar era com os adultos, consumindo espumante e pasteizinhos recheados de culpa, ou com as crianças, as quais não costumo entender muito bem. Elas também não entendiam muito bem meu papel ali, e, muito ocupadas consigo mesmas, de maneira geral não me davam atenção. Acabei optando pelo espumante, talvez minha única possibilidade de conexão com ambos os mundos. Além disso, poderia ser útil para um melhor proveito da cama elástica, a única coisa ali que realmente me interessava.
Num dado momento meu pai se aproximou de mim, enquanto eu observava as crianças quicando descontroladamente naquela lona azul. Chamou minha atenção para uma menina a qual meu irmão cumprimentava. “Essa foi a menina que ele desconvidou”, disse meu pai ao pé do meu ouvido. De fato, o esforço do meu irmão para sustentar seu papel social naquele momento específico- o aniversariante, o centro das atenções, o anfitrião- era visível e de certa maneira comovente, mesmo que a consciência desse papel fosse algo incutido à força, algo que ele provavelmente não entendia, mas sentia o peso através da mãe, do pai, das outras mães, das outras crianças e de mim, quando vez por outra eu interrompia uma de suas euforias e o obrigava a me beijar mesmo sem ter vontade. “Como assim, desconvidou?” “Desconvidou. Na frente dela e de toda a classe, foi um drama.” “Mas por quê, você sabe?” “Ninguém sabe ao certo. Desentendimentos de colegas. Mas nós consertamos a situação.” Os pais se telefonaram, lamentaram a imprudência de seus respectivos filhos e consertaram a situação. Entre eles. Meu irmão não é leviano; se havia desconvidado a menina, com certeza tinha um bom motivo, ao menos um bom motivo para ele. E aquele era o seu dia, ora. Mas é bem provável que tudo aquilo fosse apenas mais uma oportunidade para que ele aprendesse algo sobre a vida adulta, ou algo sobre os adultos, o que talvez dê no mesmo. E lá estava ele, saído temporariamente da cama elástica para cumprimentar a persona non grata com a fleuma de um inglês dando bom-dia a alguém que não suporta. A menina? Cabelos encaracolados, nem bonita, nem feia. O que mais me chamou a atenção nela foram os gestos, calculadamente afetados, imitados não sei de onde. Talvez da própria mãe. Cumprimentou meu irmão, entregou o presente e logo saiu para brincar, como todos os outros.
Momentos depois eu estaria lá, na cama elástica. Me aproximei, tirei o tênis, o celular do bolso, subi a escada e rapidamente me tornei uma criança gigante, tentando derrubar as outras com meu peso. Propunha jogos para elas. Me exibia. Elas me admiravam, a começar pelo meu tamanho. Talvez somente por isso; mas era o que bastava, e uma vitória ao menos para mim. Eu parecia atrair mais crianças. Entre elas, a menina desconvidada, que pulava alegre junto com meu irmão, o desconvidador. Ambos agindo como se nada tivesse acontecido.
Bem, é claro que o meu controle sobre uma penca de crianças alteradas não duraria para sempre. Cansados das minhas brincadeiras pretensamente didáticas, eles encontraram algo bem mais divertido a fazer: tentar me derrubar. Coisa difícil de se conseguir, dada a nossa diferença de tamanho, força e peso. Após várias tentativas frustradas, um menino de camiseta e olhos cinzas teve a brilhante idéia de segurar minhas canelas. Ele foi esperto, era o único truque que poderia funcionar. E funcionou.
A menina não teve nenhuma dúvida. Se aproveitando do meu momento de vulnerabilidade, da minha temporária perda de controle, veio decidida em minha direção, como uma máquina, como uma mulher, ou como um homem, não sei ao certo. Subiu em cima de mim, enfiou a mão dentro da minha blusa, arranhando meu colo até que tirasse violentamente meu sutiã, e sem demora encheu suas mãozinhas perspicazes com meus seios. Foi rápido, fulminante. Segundos depois, atendendo aos meus pedidos de trégua, ela me soltou e já foi logo gritando passei a mão no peito dela! passei a mão no peito dela! passei a mão no peito dela! para quem quisesse ouvir.
Rapidamente coloquei meu sutiã de volta, dei mais uns pulinhos para disfarçar, tá tudo certo, não aconteceu nada comigo. E logo abanonei o ringue. Estava suada, provavelmente vermelha. Desconcertada. Eu tinha que reverter a situação, era inadmissível que caísse no jogo de uma menina de cinco anos. Ao mesmo tempo, que raio de jogo era esse? Eu não o entendia de todo, desconhecia algumas regras. Ela não queria somente chamar atenção. Ou, se queria, era para o que havia nela de mais obscuro, algo que toda criança tem e que os adultos têm medo de ver. Me confessei com uma amiga do meu pai que estava lá perto e com a qual tinha mais intimidade, contei a história toda. Ela, de mãe que é, tratou com a maior naturalidade possível. “Ah, ela viu e gostou, né? Não tem, então quis experimentar”. Tudo bem, era uma explicação plausível e confortável por ora. Afinal, a cama elástica contribuía para que os meus seios chamassem mais a atenção e se impusessem como a diferença escancarada entre eu e ela. Sem eles, eu era apenas uma criança grande. Mas a presença deles punha em contraste a sexualidade aflorada de uma mulher com a sexualidade incubada de uma menina. E, por algum motivo que me foge em absoluto, aquela menina queria acabar com essa diferença. Ou, ao menos, sobrepujá-la. Ela me viu, veio até mim e disse: "Olha só. Você está toda arranhada." Eu não podia acreditar que estava ouvindo isso. "Sim, foi você que me arranhou." Ela sorriu e não disse nada. "Por quê você fez isso? Nunca viu peito na vida, não?” Que observação idiota, pensei. É claro que ela já tinha visto um peito na vida, a questão não estava aí. Uma criança de cinco anos já sabe que ver é muito diferente de tocar. Ainda mais quando é proibido. E claramente inadequado. E algo que justo as mulheres escondem, as mulheres com todos os seus tesouros.
Ela não respondeu, provavelmente por vergonha, imaginei. Me dei por satisfeita e fui pegar mais uma taça de espumante, enquanto pensava que ela não conseguiria mais me encarar depois do que tinha feito. Minha advertência parecia ter surtido algum efeito.
E mais ou menos meia hora depois ela cruza comigo, enquanto eu vejo o mágico a tirar coelhos do nariz de algum menino. Cruza comigo e não tem dúvidas em olhar para mim. E eu não consigo deixar de olhar para ela. Ela, fixa nos meus olhos. O que eu poderia dizer? Recriminá-la de novo? Seria o mais inadequado possível. Seria também a confirmação de que ela precisava; a confirmação de que ela havia tirado o meu chão naqueles poucos segundos em que me invadira. Disse um oi. Apenas queria ouvir a resposta dela.
E ela, claro, ela não disse nada. Absolutamente nada. Sem deixar meus olhos, pegou três dos meus dedos da mão esquerda, apertou e puxou vigorosamente, com força. Não me machucou por um triz. Foi direta. Eficaz. Implacável. Com os olhos nos meus. Sem desgrudar sua retina da minha. E logo largou meus dedos, e me deixou. Me deixou desnuda, por minha conta e risco. Com o peito transbordando, o coração para fora. E saiu para brincar. Como todos os outros.




domingo, 11 de novembro de 2007

cadeira

acredite, você pode se sentar de uma maneira melhor.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Margot


dá bom dia. bebe água. come. anda pela casa. senta na varanda. ouve. é feliz. e de quebra, quando dorme, late: pensa que é um cachorro.

Doralice, o Mendigo e a bunda

assinou o cheque, deu boa noite e saiu do táxi chacoalhando-se entre as sacolas. uma delas pede penico, arrebenta e derrama algodões egípcios e outros tesouros por sobre o chão molhado. tragédia. enquanto Doralice tenta salvar a situação o salto agulha engancha num desnível da calçada e os joelhos paf! no chão, enquanto um rasgo decidido corta sua meia de seda de norte a sul. ex-impecável, Doralice já chora. chega o Mendigo:
- tudo bem aí?
- uma ova!
- quer ajuda?
- você não pode me ajudar.
- você é quem pensa.
- é? bem, então...
(e num desses momentos raros de rendição que às vezes brotam bem no meio de outros momentos Doralice se esquece por alguns instantes que está de quatro no meio da Brigadeiro Luís Antônio)
...então me diz algo reconfortante.
o Mendigo olha pra dentro de si por dois segundos.
- você é patética. a única posição em que você poderia ficar menos patética é assim. de quatro.
- por quê?
- bem... porque você tem uma bela bunda.
o Mendigo diz isso e, claro, dá uma gargalhada. está se divertindo.
Doralice tem que fazer algo a respeito dessa situação. tem que se levantar rapidamente. e de fato muito rapidamente se levanta, bufando. patética! põe as roupas todas debaixo do braço, e sai tropeçando em cima dos dez centímetros. patética. e assim que vira a esquina não consegue, simplesmente não consegue deixar de apalpar.
sua bunda.
ri, e constata: é o que resta.

sábado, 27 de outubro de 2007

solitária

você já teve? aquela sensação ao acordar, de que o mundo está com as beiradas descoladas. de que a vida está desfocada. coca sem gás, pão de queijo velho, cerveja sem gelo: algo do tipo. teoricamente está tudo bem. mas algo nas veias te diz que não, não está tudo bem, nunca tudo está bem e nada está completamente bem em nenhum momento.
não sei se tem algo a ver com os sonhos indesejados, ou a metrópole, ou a simples falta de vontade, de vontade ponto, que às vezes, muitas vezes, dá. e o despertador não ajuda muito. nem quando você acorda com a rádio cultura. (que das seis ao meio-dia só deveria tocar mozart)
pois é; ando tendo isso, e eu sei o porquê. mas eu desligo o despertador, levanto, desço a escada -eu durmo no teto-, lavo o rosto, dou oi pra margot e soterro a sensação garganta abaixo com iogurte e granola, e ela fica lá, atrapalhando um pouco o trabalho do diafragma ao longo do dia, e então de noite, enquanto eu durmo, ela sobe para o cérebro sorrateiramente e faz truques de mágica com meu inconsciente, até que eu acorde novamente. que nem uma solitária.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

vazio


quero gritar e não posso. então, arrumo as malas.

corte e costura

- pega a minha mão com cuidado. isso. com carinho, por favor. pode massagear um pouco. aperta. aperta mais. gostoso. aquele pontinho ali, sabe, aquele dolorido ali. ai!, esse. segura. nossa como dói. pode segurar. mais forte. é bom... segura. segura. até formigar. tá formigando... tá bom. você sabe estralar? os dedos. puxa, assim. aí. é, não estralou. tudo bem, se não estralou é porque não dava. agora deixa eu ver sua mão. que mão fria, a sua. tá tímido? ou ela é assim mesmo? muito bem. mão molhada. forte. dura. tão menino... você faz trabalhos manuais? pedreiro? ah, por isso. hum. eu gosto da sua mão. deixa eu beijar um pouquinho. esses calos bonitos. agora deixa eu colocar na minha nuca. assim. pode apertar. agora puxa, puxa. assim, que nem filhote de cachorro. gostoso, gostoso. sabe, eu fico tensa e vai tudo pra nuca. mas não agora, com você. é da vida sabe. filho, marido, trânsito. agora põe a mão aqui, ó. isso, isso, menino. põe as duas mãos, uma em cada. pode apertar. aperta. tá tímido? tímido nada, que eu tô vendo... opa, opa. calma, calma. tá com pressa? guarda esse negócio de volta. sou eu que digo o que você tem que fazer, certo? então você vai fazer tudo o que eu disser. não me beija. vem, querido, aperta mais. essa mão forte. esses calos. vai me deixar no ponto. tá me deixando. to sentindo. vê com a sua mão se eu já estou no ponto. só me diz. isso. tô? então agora tira. tira sua mão. olha, escuta. presta atenção. tá vendo aquele estilete?

aquele ali da cômoda. pega lá.

pegou? que cara é essa? traz aqui. põe a lâmina pra fora. pega minha mão. ah, sem timidez agora. shhh, quietinho, quietinho. não fala nada, que estraga. tá com medo? sem medo. depois te dou o que você quiser, o quanto você quiser. vamos, vamos, vou te ensinar. pega minha mão, abre com força, que nem massa de pão. ei, que isso? vai por a camisa? vai arregar? bem que eu desconfiei que você não era homem, mesmo. esse peito sem pêlo... ah, tá bravinho agora, é? quer me mostrar que é homem? então vem, querido. estou te pedindo. pega ali de volta, o estilete. põe a lâmina pra fora. pouquinho só, o suficiente, dois estágios. isso. pega minha mão. abre. não me olha assim, não tem nada de mais. seja generoso comigo. um cortinho. não tem problema nenhum. só vai me dar prazer. quer provar que é macho? quer?
então me fura.
fura ali no centro. que nem jesus cristo.

sem medo.

vai.

mas...

que porra é essa!

você me cortou?! não acredito... seu filho da puta! socorro, socorro! liga agora pra ambulância, já! cortinho de nada? eu to sangrando! eu vou chamar a polícia, você vai sair daqui preso, seu traste! algemado! você vai se arrepender muito, muito disso. meu marido é sargento do exército. vai acabar com a sua vida. vão acabar com você na cadeia, você vai ver! ainda mais sem pêlo no peito. vai virar mulher de bandido. olha, quanto sangue... você é louco, um louco! deve ter fugido do manicômio, não é possível. quê? eu sou a louca? mas você acabou de me cortar, seu retardado mental! me deixei enganar por um moleque... um delinquente, se aproveitou da minha bondade. agora quer roubar minha casa pra comprar droga, quer me matar, sei lá... vou ligar pro meu marido. falar que um moleque me agrediu. você vai ver. em um minuto vai ter uma viatura aí na frente. cadê meu celular... ei, peraí. onde você vai? vai pegar o estilete de novo? o que você vai fazer com ele? me fala...
ah, já sei. quer me machucar. quer me cortar, é? quer me furar de novo? não me olha assim. estou te pedindo. opa, opa. calma, calma. tá com pressa? seja generoso comigo. shhh, quietinho, quietinho. não tem problema nenhum. sou eu que digo o que você tem que fazer, certo? então você vai fazer tudo o que eu disser. depois te dou o que você quiser, o quanto você quiser. esses calos bonitos. tão menino... vem, querido. pega a minha outra mão com cuidado, por favor. abre que nem massa de pão. com força. com carinho. com cuidado. sem medo...

terça-feira, 23 de outubro de 2007

pombas e biquinis

O Rio de Janeiro do século XXI é de uma beleza arrombada, terminal.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

peraí, vou explicar

sim, tenho três blogs. vou explicar:
um é sobre música.
outro é sobre as outras artes.
e outro é sobre as outras coisas. o resto. o que sobra no balaio, quando a gente tira a música e as artes da nossa vida. esse resto que na verdade é o recheio dos dias. o molho pardo.
pode ser um exagero ter três blogs, mas 1) é o que eu recebo em troca do controle total do google sobre a minha vida. então eu abuso que nem amostra de shampoo. 2) me ajuda a organizar melhor as idéias.
e você não precisa ler todos os meus blogs. você não precisa ler nenhum. você tem coisa melhor pra fazer. aliás, neste exato momento você deveria estar fazendo outra coisa. não é?
mas
eu sei: você é curioso(a).

domingo, 21 de outubro de 2007

sebo

Cheguei numa loja de antiguidades com meu sentimento debaixo do braço. Um senhor cheirando a guardado me deu bom dia entre seus bigodes, em meio a cupins e abat-jours. Joguei o sentimento na mesa e perguntei: interessa?
- Ih, minha filha, isso aí não tem valor, não. Todo mundo tem, compra em qualquer loja de bugiganga. Parece antiguidade mas na verdade é semi-novo, com cara de velho. Tem valor não. Guarde pra você.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Pessoas mais velhas não descem as escadas do metrô correndo para pegar o próximo trem.
Já aprendi como é; tenho que ultrapassar pela esquerda, como um carro, porque eles geralmente estão segurando no corrimão. Faço a curva aberta. Eles levam um susto comigo ("Jovens"...), acham que vou atropelá-los. E eu quase os atropelo, mesmo. Quando um trem está na plataforma não existe mais nada, nem ninguém. É como estar à beira da morte. (Mas quem está à beira da morte de verdade não apressa-a; contempla-a.)
4 minutos é muito tempo para quem tem a vida toda pela frente.
- Quando ultrapasso um idoso me sinto uma idiota.