quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Doralice, o Mendigo e a bunda

assinou o cheque, deu boa noite e saiu do táxi chacoalhando-se entre as sacolas. uma delas pede penico, arrebenta e derrama algodões egípcios e outros tesouros por sobre o chão molhado. tragédia. enquanto Doralice tenta salvar a situação o salto agulha engancha num desnível da calçada e os joelhos paf! no chão, enquanto um rasgo decidido corta sua meia de seda de norte a sul. ex-impecável, Doralice já chora. chega o Mendigo:
- tudo bem aí?
- uma ova!
- quer ajuda?
- você não pode me ajudar.
- você é quem pensa.
- é? bem, então...
(e num desses momentos raros de rendição que às vezes brotam bem no meio de outros momentos Doralice se esquece por alguns instantes que está de quatro no meio da Brigadeiro Luís Antônio)
...então me diz algo reconfortante.
o Mendigo olha pra dentro de si por dois segundos.
- você é patética. a única posição em que você poderia ficar menos patética é assim. de quatro.
- por quê?
- bem... porque você tem uma bela bunda.
o Mendigo diz isso e, claro, dá uma gargalhada. está se divertindo.
Doralice tem que fazer algo a respeito dessa situação. tem que se levantar rapidamente. e de fato muito rapidamente se levanta, bufando. patética! põe as roupas todas debaixo do braço, e sai tropeçando em cima dos dez centímetros. patética. e assim que vira a esquina não consegue, simplesmente não consegue deixar de apalpar.
sua bunda.
ri, e constata: é o que resta.

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