segunda-feira, 30 de junho de 2008

Hoje não quero escrever nada. Hoje quero ouvir o barulho da escova nos dentes, colocar uma roupa confortável e dormir. Quero não formular, não concretizar, não dizer as barbaridades que eu estou acostumada a dizer, não me esforçar para formulações finais. Quero deitar, e dormir, sem abstrações. Quero que o dia chegue ao seu fim com uma ignorante suavidade, que ele flua por entre as minhas veias, que a vida se evidencie como ela é, e que tudo seja aceito, que o dia seja aceito e que a finitude deste dia venha como uma promessa cumprida. E que eu não escreva, nem se valer a pena, nem se for uma grande idéia, nem se for inevitável, apenas uma linha sobre ele. Quero que o dia acabe, e que comece outro. Sem uma palavra. Sem um pio. Que a meia-noite venha no mais profundo silêncio. E que o tempo passe no vácuo. Pelo menos até amanhã. Hoje, só amanhã.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

a vida através dos óculos corretivos fica menos difícil.

através dos meus bons e baratos óculos as coisas possuem mais contorno e definição; mas, ao mesmo tempo, meus óculos me escondem de quem me vê. o olhar enquadrado; a haste preta, reinando sobre o rosto, dividindo-o; o limite entre a sobrancelha e a pupila; o reflexo. seu olhar não me penetra tão fácil. você não me perscruta tão fácil. até um certo limite, eu sou os meus óculos. e mais nada. eles remetem a um personagem que na verdade não sou eu. ninguém nasceu de óculos. mas os óculos já nascem imbuídos de alguém. alguém que não necessariamente existe. os meus, no caso, evocam uma secretária, talvez uma professora de inglês. seria eu alguém a altura dos meus óculos? e você, por um acaso, teria coragem de sobrepujar tudo isso e despir meus olhos?

não, isso não é tão fácil. fito-o por detrás do vidro e, enquanto você pensa, ganho tempo e espaço entre o seu olhar e o meu. a lágrima não é tão franca. o brilho não é tão franco.

os óculos são a maquiagem do olhar.

o que existe atrás da lente? e à frente? e, se o mundo for só indefinição, serei eu então uma herege? afinal, encaixar um mundo direito num mundo torto é como tentar encaixar um quadrado num triângulo de mesma dimensão.

quando compramos um par de óculos não ganhamos o privilégio da visão corrigida, e sim o privilégio da consciência de uma visão torta.

antes dos óculos corretivos a cegueira era plural e relativa. a beleza, a saúde e a velhice também.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

lágrimas de sal

"A minha língua portuguesa, ninguém me-a-tira!"

- Homem desconhecido
Guimarães (primeira capital de Portugal)
02:25 AM